- Introdução
O Facebook é a quarta maior rede social no Brasil, em número de usuários. Conforme dados de 2024, são mais de 112 milhões de pessoas conectadas. Esse valor, apesar de representar certa estagnação nos últimos anos, ainda coloca o Facebook como um canal privilegiado de publicidade para várias empresas, mas também, como veremos neste texto, para atores políticos.
Dados de 2022, por exemplo, indicam que um quarto dos brasileiros se informa sobre política via Facebook, o que coloca a rede social (e a Meta, empresa que a controla) no centro do debate público. Em meio às discussões sobre desinformação, fake news e polarização, o conhecimento acerca dos atores que pautam, e financiam, o debate nas redes sociais é essencial para a proteção das instituições democráticas, que é um dos objetivos do Política nas Redes.
Neste texto, tratamos dos anúncios pagos no Facebook. Focamos na análise dos principais compradores de anúncios em perspectiva mais ampla: de 2020 até 2024, mas também nos últimos 90 dias (08/04/2024 até 07/07/2024). Observamos também, de maneira exploratória, as variações regionais de anúncios e anunciantes.
Em termos acadêmicos, os anúncios merecem mais atenção das Ciências Sociais, dado que têm sido objeto quase que exclusivo de outras áreas do conhecimento, como publicidade e ciência de dados. Entender quem paga e como paga para estar presente nas redes sociais é importante para compreensão dos rumos do debate público. Principalmente, considerando que vários desses anúncios contém desinformação.
Os resultados demonstram que a página da produtora Brasil Paralelo é a maior anunciante no período 2020-2024, com investimentos de cerca de 25 milhões de reais, muito acima de grandes empresas e organizações e até mesmo do próprio governo federal. Considerando um recorte de tempo mais recente, a Brasil Paralelo perde o primeiro lugar para a empresa de bebidas Amstel Brasil, mas ainda figura entre os maiores anunciantes, ao lado de outro veículo de mídia de direita, a Revista Oeste, e do Partido dos Trabalhadores. Identificamos também diferentes estratégias de gastos: enquanto grandes empresas e entes institucionais (como o governo federal e o PT) concentram gastos numa gama reduzida de anúncios, a Brasil Paralelo dispersa seus gastos em muitos anúncios diferentes. Além disso, o fator regional aparece como relevante, com diferentes anunciantes priorizando diferentes estados.
- O que são os anúncios no Facebook?
A Meta possui biblioteca de anúncios com dados de agosto de 2020 até julho de 2024 sobre as páginas que anunciam (e anunciaram) no Facebook, o valor e o número dos anúncios. Além dessas informações mais gerais, é possível fazer buscas específicas por anunciante ou assunto/tema. Para encontrar os resultados, é necessário que o anúncio esteja ativo na rede. No caso de temas classificados como sociais/políticos pela empresa, é possível fazer consultas mesmo de anúncios desativados (por exemplo, de campanhas eleitorais).
No site da empresa, o produto ‘anúncio’ é oferecido a partir dos eixos: objetivo, orçamento, público e criativo. O objetivo pode ser engajamento, tráfego, vendas, entre outros (Figura 1). O orçamento envolve, sobretudo, o período do anúncio e o alcance almejado. O público se refere a quem o anúncio quer atingir (em termos de características demográficas e regionais, por exemplo – figura 2). Por fim, a criatividade conta para: “(…) mostrar às pessoas os anúncios que elas acharão interessantes. Sendo assim, [o leilão de anúncios] prioriza aqueles que fornecem a melhor experiência do usuário”. Esse leilão de anúncios é a forma com que a Meta seleciona quais anúncios irá favorecer quando diferentes empresas, organizações e/ou políticos buscam os mesmos públicos no mesmo período.
Figura 1: Objetivos de anúncios
Fonte: https://pt-br.facebook.com/business/ads/ad-objectives
Figura 2: Público dos anúncios
Os vencedores do leilão são determinados por um conjunto de fatores, como valor do lance, que é o valor que o anunciante está disposto a pagar pela exibição do anúncio, e a qualidade do anúncio, que envolve sua capacidade de gerar interações de usuários, e se o anúncio é denunciado ou ocultado por muitos usuários, entre outras métricas.
- E quem paga pelos anúncios?
Nesta seção, analisamos os dados de valores gastos em anúncios no Facebook em dois recortes temporais: todo o período disponível (agosto de 2020 até julho de 2024) e nos últimos 90 dias (de abril à julho de 2024). O objetivo é perceber se há mudanças ou continuidades no perfil de anunciantes na rede social.
Considerando todos os anúncios, o valor gasto nestes quatro anos é de mais de 660 milhões de reais por mais de 38 milhões de anúncios. A média de gasto por anúncio é de R$17,30. O total de anunciantes registrados é de 219 mil.
Na figura 3, vemos a ordenação dos 15 maiores anunciantes ao longo de todo o período. Esses somam mais de 102 milhões de reais gastos em 155 mil anúncios (média de R$660). Ou seja, o 0,006% do topo da distribuição de anunciantes é responsável por mais de 15% do total do valor gasto junto à Meta.
Entre esses anunciantes estão empresas, governos, ONGS e organizações de mídia. O principal anunciante no período, superando governos e empresas gigantes, como Ambev, Vale e BNDES, foi a Brasil Paralelo.
Figura 3: Maiores anunciantes entre agosto de 2020 e julho de 2024
A Brasil Paralelo é uma empresa fundada por três sócios em Porto Alegre no ano de 2016. A ideia original era combater uma suposta hegemonia de esquerda na mídia, oferecendo uma perspectiva “paralela”. Conforme Eduardo Escorel, em texto na Revista Piauí em 2023, o nome Brasil Paralelo é:
“(…) inspirado no filme Interestelar (2014), de Christopher Nolan, no qual a tarefa do protagonista é encontrar um planeta habitável no universo “paralelo” para salvar a humanidade do apocalipse. A missão assumida pela empresa gaúcha seria, portanto, difundir uma realidade coexistente, mas discrepante da que as pessoas estão acostumadas a ver na grande mídia, conforme declarou um dos sócios fundadores, Filipe Valerim”.
No site da empresa, a organização é descrita como uma produtora de conteúdo com a missão de: “(…) resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”. Criada primeiramente como um canal do Youtube, a Brasil Paralelo possui hoje um serviço de streaming próprio e produz conteúdo de extrema-direita, boa parte dele focado em desafiar o conhecimento científico e acadêmico sobre uma série de temas (escravidão, ditadura militar, pandemia, entre outros).
Recentemente, a empresa se engajou na campanha contra o aborto, em meio à votação do chamado “PL do estupro”. O alto volume de recursos empregados pela empresa somente no Facebook (ainda há anúncios em outras redes e plataformas, como Google e Youtube), é explicado pelo faturamento atual, mas também por investimentos iniciais. Apesar da Brasil Paralelo declarar capital social de 29 mil reais no ano de sua fundação, a empresa teve investimento milionário do empresário Jorge Gerdau Johannpeter logo de início.
Considerando os últimos 90 dias, porém, a Brasil Paralelo perdeu o posto de primeira anunciante no Facebook, sendo substituída pela Amstel Brasil. Como mostra a figura 4, o terceiro maior anunciante é o Partido dos Trabalhadores. Em quarto lugar, vem outra página importante da extrema-direita brasileira, a Revista Oeste.
Figura 4: Maiores anunciantes entre abril e julho de 2024
Durante os últimos 90 dias, mais de 25 mil páginas realizaram anúncios no Facebook. Na figura 5, consideramos a relação entre a quantidade de anúncios e o valor gasto. Há uma correlação baixa (r² = 0,21), porém estatisticamente significativa e positiva, entre as duas variáveis. Ou seja, quanto maior o valor gasto, maior o número de anúncios na rede. Porém, há diferenças de estratégia. Enquanto páginas comerciais como Brahma, Amstel e Vale, e institucionais como o próprio governo federal e o PT gastam em média mais de 5 mil reais por anúncio, a Brasil Paralelo gasta menos de 500 reais. De um lado, a estratégia de publicidade envolve a concentração do gasto em poucos anúncios, enquanto de outro, a estratégia é de dispersão.
Figura 5: Valor gasto x Número de anúncios (entre abril e julho de 2024)
- Conclusões e próximos passos
Neste texto, tratamos de anúncios e anunciantes do Facebook. Em meio ao debate sobre regulação das redes sociais, é importante entender quem financia, via publicidade, esse tipo de plataforma. Ainda mais em um contexto de moderação deficiente de anúncios. No caso das enchentes do Rio Grande do Sul, por exemplo, vários anúncios contendo desinformação circularam pelo Facebook.
Em termos acadêmicos, os anúncios merecem mais atenção das Ciências Sociais, dado que têm sido objeto quase que exclusivo de outras áreas do conhecimento, como publicidade e ciência de dados. Entender quem paga e como paga para estar presente nas redes sociais é importante para compreensão dos rumos do debate público.
Nossos dados demonstram que, ao longo dos últimos anos, a Brasil Paralelo tem sido a maior anunciante do Facebook. Recentemente, foi substituída, mas continua no pódio. As estratégias de publicidade envolvem o volume de recursos gastos e número de anúncios. Alguns atores (empresas e instituições) investem em concentração (mais recursos em poucos anúncios), enquanto outros, como Brasil Paralelo e Revista Oeste (expoentes da extrema-direita brasileira), investem em dispersão (poucos recursos para muitos anúncios). Há também variação regional no perfil dos anunciantes, o que deve ser mais pronunciado com a proximidade das eleições.
Os próximos passos envolvem o contínuo monitoramento dos anunciantes e dos valores desembolsados, ainda mais com a proximidade de eleições locais. Também acompanhamos a variação regional dos anunciantes. Por fim, há necessidade de avaliação qualitativa dos anúncios. Além de demonstrar diferentes estratégias dos anunciantes em nível de gasto, é importante considerar as estratégias com dados acerca do tipo de anúncio.
- EXPEDIENTE
O POLÍTICA NAS REDES publica estudos temáticos sobre o debate político nas redes sociais produzidos pela equipe do Manchetômetro, no âmbito do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da UERJ.
Como os demais projetos do LEMEP, o POLÍTICA NAS REDES conta com o apoio do INCT – Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação.