Por Rennan Pimentel
Nos últimos anos, o debate sobre a segurança e a confiabilidade da urna eletrônica se ampliou devido à grande circulação de desinformação (fakenews) nas redes sociais e principalmente por conta das investidas do presidente Jair Bolsonaro para desqualificar a lisura do processo eleitoral. Alguns políticos, influenciadores e militantes passaram a alegar, sem apresentar provas, que a urna eletrônica brasileira é suscetível a fraudes. Mas afinal, nosso sistema de votação é seguro?
Breve Panorama
Historicamente, as eleições no Brasil foram repletas de fraudes, principalmente no período da Primeira República, que vai de 1889 a 1930, mas não apenas nele. Até 1932, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) foi criado, as eleições eram organizadas pelos municípios, o que facilitava muito as fraudes e o clientelismo. Entretanto, tal problemática não ocorria apenas em um passado longínquo. Em 1988, ano da redemocratização, o TRE apontou fraudes em três zonas eleitorais do Rio de Janeiro para beneficiar candidatos à ALERJ, e até mesmo em 1994, na última eleição organizada totalmente em cédula de papel, as fraudes foram identificadas. Naquele ano, o TRE – Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro decidiu anular o pleito para deputados estaduais e federais após serem constatadas irregularidades nas cédulas de papel, onde os conferentes da zona eleitoral foram destituídos após ser descoberto novamente um esquema para aumentar votos de determinados políticos que disputavam cadeiras legislativas.
Como podemos ver, as eleições em cédula de papel facilitavam muito as fraudes eleitorais. Muitas vezes as urnas já chegavam aos locais de votação com votos previamente preenchidos. Portanto, a utilização de urnas eletrônicas no sistema eleitoral brasileiro buscou encerrar definitivamente com um dos maiores problemas das eleições em seus períodos democráticos: a ocorrência de fraudes.
Desde a implementação das urnas eletrônicas no sistema eleitoral brasileiro em 1996, nunca houve fraudes em uma eleição, segundo dados da Justiça Eleitoral. O modelo eletrônico de votação é fruto de mais de 60 anos de estudos e pesquisas feitos por brasileiros para brasileiros com o intuito de aprimorar a nossa democracia e fazer valer a soberania popular. O processo de implementação foi gradual, iniciou-se nas eleições municipais de 1996, contemplando as 26 capitais de estado e mais 31 cidades com mais de 200 mil eleitores e atingindo a totalidade do território nacional 4 anos depois nas eleições municipais de 2000.
Mas de fato, as urnas são seguras?
A resposta para essa pergunta é direta: Sim.
As urnas eletrônicas são seguras. A Justiça Eleitoral trabalha para garantir que a votação ocorra de forma segura, transparente e eficiente e utiliza o que há de mais moderno em termos de segurança da informação para garantir a integridade, a autenticidade e o sigilo do voto. Para aprimorar ainda mais o processo eletrônico de votação, a Justiça Eleitoral criou o TPS (Teste Público de Segurança), onde os mecanismos de segurança são postos à prova, no ano anterior às eleições gerais, com a participação e colaboração de especialistas na busca por problemas ou fragilidades que, uma vez identificadas, serão resolvidas e testadas novamente antes da realização das eleições. Nos TPS, qualquer brasileiro pode apresentar um plano de ataque aos sistemas eleitorais, e desde a sua primeira realização em 2009 até a mais recente em 2021, nenhuma tentativa de adulteração dos sistemas ou dos resultados da votação obteve êxito até hoje. Além disso, há diversos mecanismos de auditoria e verificação dos resultados que podem ser efetuados por candidatos e coligações, pelo Ministério Público (MP), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo próprio eleitor.
Existem 9 etapas auditáveis entre o desenvolvimento até a contagem dos votos. Nossa urna eletrônica não é conectada à internet e possui um sistema operacional próprio desenvolvido pelo TSE, o que dificulta o acesso de hacker.
As 9 etapas de auditoria:
1ª etapa Desenvolvimento dos programas | Seis meses antes das eleições, instituições como Polícia Federal, Ministério Público, todos os partidos e universidades acompanham o processo. |
2ª etapa TPS – Testes públicos de segurança | Como já mencionado, após o desenvolvimento dos programas, o equipamento é submetido a testes de tentativas invasões. Os TPS envolvem várias etapas, desde a apresentação dos planos de ataque, apresentação do sistema aos investigadores, abertura do código e o período de ataque propriamente dito. |
3ª e 4ª etapa Assinatura digital e envio aos TRE’s | Após as testagens, os programas são lacrados e enviados aos TRE’s para serem instalados nas urnas e novamente há uma verificação pública para constatar a veracidade das assinaturas digitais. |
5ª etapa Teste de Integridade | As urnas são distribuídas para os locais de votação e no dia anterior à votação são sorteadas 100 urnas em todo o Brasil para realizar uma simulação de votação para verificar a funcionalidade do equipamento. |
6ª etapa Zerésima | Pouco antes da votação iniciar, o presidente da sessão eleitoral imprime a “Zerésima”, um boletim que comprova que não há nenhum voto na urna e os responsáveis da sessão e os fiscais de partidos assinam o documento. |
7ª etapa Boletim da Urna | No final da votação é impresso um novo Boletim da Urna mostrando a quantidade de votos que cada candidato recebeu. Após verificação pública de todos os responsáveis, os dados são enviados criptografados para o TSE que contabilizará os votos. |
8ª etapa Totalização dos votos | Já no TSE, os votos são computados para apresentar o resultado da votação. Os resultados apresentados pelo TSE devem coincidir com os Boletins de Urnas públicos emitidos por cada urna antes do envio e até hoje não foi identificada nenhuma divergência nesse processo |
9ª etapa Registro Digital do Voto | O TSE armazena todos os votos digitados pelos eleitores nas urnas no Registro Digital do Voto e assim, qualquer partido, político ou cidadão pode solicitar e realizar a recontagem dos votos. |
A urna brasileira a cada eleição é modernizada e aprimorada para aumentar a segurança e a confiabilidade, além da atualização dos hardwares e softwares, outros mecanismos foram acrescentados para evitar fraudes, como por exemplo, a biometria. A necessidade de utilização da biometria para votar impediu as fraudes na identificação do eleitor no momento da votação, que era também outro problema. No passado, era comum o TSE encontrar votos de pessoas já falecidas.
Como vimos até aqui, a Urna Eletrônica brasileira possui diversas camadas e etapas de segurança, além da possibilidade de auditar e recontar os votos, o que garante o resultado legítimo da vontade popular no voto.
Desmistificando
Ao contrário do que muitos dizem, o Brasil não é o único país a utilizar urna eletrônica em processos eleitorais. Segundo o Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Social (IDEA Internacional), 23 países usam urnas com tecnologia eletrônica para eleições gerais e outros 18 as utilizam em pleitos regionais. Dentre esses países estão Austrália, Argentina, Canadá, Coreia do Sul, Espanha, França, Índia, Rússia, dentre outros, que utilizam votação eletrônica de forma total ou parcial, além dos Estados Unidos, que possue urnas eletrônicas em alguns estados. Outros países como África do Sul, Itália, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, dentre outros já estão estudando modelos para viabilizar a implantação. Consulta a lista completa em: https://www.idea.int/news-media/media/use-e-voting-around-world
Outra questão interessante é que em 2009, o TSE recebeu da BSA (Business Software Aliance) em parceria com a Universidade de São Paulo e com a George Washington University um prêmio na área de tecnologia pela contribuição no desenvolvimento de urnas eletrônicas por se tratar de uma ideia inédita.
Ademais, pode-se afirmar que a urna eletrônica, além de ser um produto genuinamente brasileiro, é segura, confiável e auditável. Desde a sua implementação, não há indícios de qualquer fraude nas eleições ou ataque hacker ao equipamento, o que comprova a lisura do processo eleitoral.
Fontes
https://www.exame.com/brasil/urna-eletronica-historico-fraudes/
Sobre o autor
Rennan Pimentel é Mestrando no em Sociologia e Antropologia na UFRJ, graduando de licenciatura em Ciências Sociais pela UFRJ e bacharel em Relações Internacionais pela UNESA/RJ. Pesquisa sobre Pensamento Social, Política e Democracia e participa do Núcleo de Estudos Comparados e Pensamento Social (NEPS) e no Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB), ambos no IFCS/UFRJ.