Atualizado: 5 de jun. de 2021
Por Caio Rabelo
** Este texto emprega o feminino “candidatas”, “cidadãs” etc. para referir-se a pessoas de diferentes gêneros
Recentemente, o campo progressista brasileiro vibrou com a atuação política ímpar da política estadunidense Stacey Abrams, da Geórgia, e da sua plataforma de ação política Fair Fight Action. A ex-deputada estadual e sua ONG foram fundamentais tanto para derrotar Donald Trump (a Geórgia é historicamente um “Red State” Republicano, ou seja, era esperado que Trump vencesse as eleições por lá) quanto para assegurar a eleição de dois senadores progressistas. Esta última façanha ainda garantiu a maioria Democrata no Congresso, possibilitando a implementação de medidas redistributivas inéditas, tais como o Plano de Recuperação Verde da Economia e o aumento de alíquota em impostos corporativos para financiar, por exemplo, a universalidade de creches.
Mas por que um acontecimento político tão distante da nossa realidade foi tão celebrado? Para além da inspiradora imagem de uma mulher negra como principal articuladora da derrota eleitoral de um mandatário cuja administração foi marcada por flertes explícitos com o supremacismo branco, suponho que exista uma intuição poderosa no campo progressista brasileiro, ainda que não tenha sido enunciada por ninguém.
A intuição é a seguinte: não precisamos apenas ganhar em 2022, mas precisamos vencer expandindo o eleitorado e fomentando uma participação social garantidora de transformações palpáveis na vida de brasileiras e brasileiros a partir da derrota de Jair Bolsonaro.
Obviamente, os contextos políticos dos EUA e Brasil são muito diferentes. O principal desafio que Stacey Abrams, a Fair Fight Action e outras iniciativas progressistas enfrentam é o fenômeno da supressão de votos. Ou seja, leis arbitrárias de Assembleias Estaduais (os EUA não têm um Tribunal Superior Eleitoral como o Brasil) que dificultam o acesso ao voto, especialmente para minorias e para a classe trabalhadora (lá as eleições gerais ocorrem às terças-feiras). O feito de Stacey, portanto, consiste em conseguir mobilizar eleitoras para persistir nas longas filas que o Estado da Geórgia reserva àquelas que desejam votar. A realidade do voto obrigatório no Brasil, goste-se ou não, obriga a Justiça Eleitoral a fornecer as condições mínimas para todas as cidadãs exercerem o sufrágio.
Ressaltadas as diferenças, vamos às semelhanças. O Brasil experimenta uma queda significativa na participação eleitoral. As eleições de 2020, marcadas pela pandemia e pela introdução de iniciativas de facilitação da justificativa do voto, como o e-Título, registraram o recorde de 29,5 % de abstenção – crescimento de 8% em relação à média histórica. Some a isto a também crescente quantidade de votos nulos e brancos e a intoxicação do debate público por fake news, além de ataques à legitimidade do processo eleitoral: trata-se de um cenário perfeito para a contestação de qualquer alternativa progressista que derrote legitimamente o projeto reacionário do atual governo.
Diante disso, o que fazer? Proponho que é necessário agir (1) de maneira estratégica, (2) de maneira suprapartidária e (3) de maneira paraestatal, em complementaridade às ações da Justiça Eleitoral:
1. De maneira estratégica porque a expansão do eleitorado vai exigir campanhas públicas inteligentes, com segmentação dos públicos que não têm comparecido às urnas e a criação de estratégias de mobilização e apoio a lideranças que instiguem a participação desses grupos, como os jovens de 16-18 anos, comunidades tradicionais, eleitores de baixa informação, entre outros;
2. De maneira suprapartidária porque interessa a todos os partidos do campo progressista a expansão do eleitorado como forma de viabilizar políticas públicas redistributivas como aquelas que estão sendo adotadas pelos EUA; Esta articulação considero a mais difícil, pois é uma tarefa da pactuação política, mas não totalmente inviável se considerarmos que os esforços de Stacey Abrams foram apoiados tanto pela ala socialista do Partido Democrata quanto pela ala centrista representada pelo atual presidente;
3. De maneira paraestatal porque já existem inúmeras iniciativas da Justiça Eleitoral para incentivar, por exemplo, o voto jovem. Como destaca o cientista político Emerson Cervi, as campanhas de alistamento do TSE têm logrado aumentar a participação política da faixa etária cujo voto é facultativo. Compete ao campo progressista, em suas diversas potencialidades de mobilização e articulação (ONGs, Institutos, Movimentos Sociais etc.) agir para aumentar o alcance dessas campanhas e cativar a eleitora que não tem comparecido às urnas, ou anulado o voto.
O filósofo David Runciman, autor de “Como as Democracias Chegam ao Fim”, afirma que a crise das democracias observada atualmente se explica por não haver maneira de resolver os impasses expandindo o número de eleitoras (por exemplo, através de leis que assegurem o voto às mulheres) e promovendo um realinhamento político, método de resolução das crises anteriores.
Argumento aqui que temos a capacidade e o dever de promover esta expansão e realinhamento político no Brasil, por meio da ação conectada de partidos, organizações da sociedade civil e atores políticos. O foco na expansão do eleitorado, especialmente no segmento de 16-18 anos, pode ter um efeito multiplicador na comunicação política progressista, uma vez que a cidadã jovem domina a linguagem e a mecânica das redes sociais com maior aptidão. Este aspecto é fundamental tanto para a mobilização do campo progressista quanto para a desmobilização do campo reacionário ao criar narrativas e contranarrativas de maior agilidade e alcance.
Temos alguns apontamentos positivos nesse sentido, como a criação do Gabinete do Amor nas eleições municipais de 2020 e o recente convite feito pelo Instituto Lula ao youtuber Felipe Neto para debater a política nas redes sociais. Portanto, já existe uma incipiente mobilização em torno da intuição que levou Stacey Abrams e a Fair Fight Action a derrotarem a extrema direita no seu Estado e país. Faz-se necessário, todavia, enunciar esta intuição e agir a respeito dela com maior clareza e objetividade.
Caio Rabelo é graduado em Ciência Política pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), possui mestrado na mesma área pela USP (Universidade de São Paulo) e faz parte do Nossa Base, um projeto BaseLab para capacitação de profissionais que atuam em campanhas eleitorais. Ele está disponível para trabalhar em campanhas no Maranhão e Pernambuco.
Sobre Nossa Base
É a primeira rede brasileira de profissionais eleitorais progressistas espalhados pelo Brasil.