** Este texto emprega o feminino “candidatas”, “cidadãs” etc. para referir-se a pessoas de diferentes gêneros
Nesta semana comemoramos o Dia Internacional de Combate à LGBTFobia e, por isso, resolvi compartilhar com vocês uma conversa que tive com a vereadora Carla Ayres, a primeira e única mulher do PT a ser eleita na capital catarinense, Florianópolis.
Carla é cientista politica, feminista, lésbica e militante orgânica do movimento LGBTQIA+ a mais de uma década. Sua primeira disputa eleitoral foi em 2016, na qual foi a representante do núcleo LGBTQIA+ do PT e teve como slogan a frase “Para tirar assuntos políticos do armário”, em analogia à causa que defende e a necessidade de inserir novas pautas no debate. Ela ficou como suplente em 2016, tendo assumido a cadeira em três oportunidades distintas. Em 2018 Carla também disputou a cadeira de deputada estadual.
Em 2020, sua candidatura já estava certa e, portanto, foi realizado um planejamento antecipado. Carla elencou quatro pontos que formaram os pilares da estratégia eleitoral:
1) Consolidação da relação com atores partidários relevantes tanto no âmbito municipal, quanto estadual e federal;
2) Articulação para apoio financeiro dentro do partido;
3) Diagnóstico das mídias digitais e elaboração de plano para atuação e aprimoramento delas;
4) Criação de GTs temáticos (online) para conversar com apoiadoras de forma mais intimista, ouvir demandas e criar vínculos, transformando-as em multiplicadoras.
Comunicação
O planejamento digital foi essencial, por meio do diagnóstico das fraquezas pré-existentes, como a subutilização do Twitter e poucos seguidores, Carla realizou um trabalho de engajamento nesta rede e saltou de 400 seguidores em 2016 para mais de 5 mil quando começou a campanha de 2020. Esse movimento também ajudou ela a se consolidar como uma figura pública de opinião política.
Durante o período de campanha, o planejamento da comunicação foi dividido em três momentos:
1° – Reafirmar o nome e apresentar a candidatura
2° – Mostrar o que era defendido e o posicionamento sobre os temas e eixos da campanha.
3° – Nos últimos dez dias foi realizada uma abordagem massiva pelo WhatsApp
A escolha do que seria abordado no dia a dia através das mídias digitais, apesar do planejamento, também considerou o feedback do público que se engajou nas publicações e, claro, a conjuntura política. Também teve-se o cuidado de separar e segmentar os temas, no sentido de quando era para falar especificamente do PT, a publicação era direcionada ao público PTista ou, então, quando era para bater no Bolsonaro, usar assuntos que não causasse tanta divisão política ideológica.
Além das listas de transmissão, nos últimos dias de campanha Carla identificou as pessoas que não recebiam seu conteúdo por não terem salvado o número. Como já havia sido iniciada uma conversa com estas eleitoras em algum momento anterior, ela foi em cada uma das conversas e enviou, individualmente, um áudio pedindo apoio.
Contagem de votos
Para fazer uma mensuração da quantidade de votos, utilizou-se todas as manifestações feitas nas mídias digitais, desde mensagens explícitas como “vou votar em você”, até compartilhamentos com “minha candidata” ou comentários em fotos apoiando. No final, a equipe conseguiu contar metade dos votos que Carla obteve nas urnas, o equivalente à teoria de que uma eleitora puxa, ao menos, mais uma com ela.
Equipe de campanha
A equipe foi construída, principalmente, por pessoas que participaram da campanha de 2016 ou se aproximaram no período entre campanhas, inclusive nos momentos em que ela precisou assumir o cargo de vereadora na condição de suplente. Carla vê como uma das principais razões do sucesso de sua equipe o fato dela não ter sido instrumentalizada, ou seja, estava ativa e contribuindo na construção do projeto.
“Você não está em um momento eleitoral só pelo momento eleitoral, tem que entender esse período como um processo para a conquista de direitos, promoção de debates, aprofundamento de debates e visões de mundo.”
Voluntariado
Não houve uma estratégia direta para chamada de voluntárias para trabalhar na campanha, porém ocorreu uma aproximação orgânica, em que muitas pessoas que se identificaram com a candidatura se dispuseram a auxiliar na construção da campanha.
Territórios
A candidatura de Carla não é regionalizada, é temática. No entanto, foi realizado um mapeamento dos votos obtidos em 2016 e 2018 e traçada uma estratégia de “fidelize e amplie”. Assim, teve-se um foco maior nos dois bairros com maior número de votos neste período, para fidelizar, e nos dois bairros com menos votos, para ampliar o eleitorado. Importante ressaltar que Carla obteve votos em todos os bairros de Florianópolis.
Mobilização de rua
Foram escolhidos seis bairros estratégicos para alocar pessoas para panfletar, estas se limitaram ao bairro em que viviam para evitar a utilização de transporte público dado o contexto da pandemia.
Durante a semana foram marcadas visitas às casas das eleitoras, onde entregavam kits de materiais de campanha e elas atuavam como multiplicadoras. Foram visitadas cerca de três residências por dia. Já aos finais de semana ela ia às ruas com a equipe e ao ar livre, sempre respeitando o uso de máscaras e recomendações de segurança.
Dificuldades e Fraquezas
Um grande desafio identificado logo no início da campanha deu-se na quantidade de candidatas LGBTQIA+ neste pleito. Enquanto em 2016 Carla foi a única representante do segmento a concorrer ao cargo eletivo, em 2020 houve nove candidatas, o que gera uma divisão dos votos dentro deste recorte do eleitorado. “Uma saída coletiva do armário”, brincamos.
Ayres destaca que esse aumento de pessoas LGBTQIA+ disputando as cadeiras eletivas é um ponto muito positivo do ponto de vista da militância e representatividade, o que a deixa muito feliz, mas que se torna uma fraqueza no ponto de vista eleitoral pela divisão dos votos. No entanto, ela conseguiu uma vantagem por já ser uma figura conhecida na cidade e com atuação política, algo que não compartilhavam as outras colegas da disputa.
A pouca quantidade de tempo e de pessoas disponíveis para realizar o contato direto via mídias digitais foi uma dificuldade detectada. Carla acredita que se pudesse ter mais tempo para falar com suas eleitoras de forma pessoalizada, o número de votos obtidos poderia ser ainda maior.
Por fim, Carla destaca dificuldade quanto ao impulsionamento de publicações na mídia, uma vez que o recurso destinado a este fim chegou tardiamente, atrapalhando a elaboração de métricas e mapeamento de público e interesses.