Sabe aquela sensação de aflição e angústia que sentimos ao ver que não há uma luz no fim do túnel? Foi mais ou menos por aí que todos nós progressistas nos sentimos ao nos vermos varridos do mapa desde as eleições de 2018 quando se trata de comunicação digital.
A onda de extrema-direita que “surgiu de repente” (coloco entre aspas mesmo, para deixar clara a ignorância) nas eleições de Jair Bolsonaro, trouxe elementos que até então não estavam tão nítidos para a grande maioria dos atores que atuavam no mercado de marketing político à época.
É impressionante (beira o ridículo) constatar que um sujeito é capaz de ganhar eleições presidenciais, e grande parte de analistas e acadêmicos não terem previsto seu crescimento e sequer (já três anos depois) conseguimos compreender como campo progressista as causas e razões de seu crescimento e manutenção da base de apoio.
Até que, finalmente, um livro traz a tão aguardada luz para esse debate. Se trata do brilhante trabalho do professor João Cezar de Castro Rocha (UERJ), “Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político”. João desnuda com clareza e simplicidade os elementos que constituem a criação de discursos e narrativas bolsolavistas. O que os caracteriza? Quais são suas origens? O que é guerra cultural? O que é a retórica do ódio? O que é o sistema de crenças de Olavo de Carvalho?
O objetivo central do livro é justamente a caracterização da mentalidade bolsonarista. Para combater algo precisamos, em primeiro lugar, conhecer suas características. É muito importante compreender que essa onda bolsonarista é parte de um movimento mais amplo de organização das forças de direita no país (pelo menos desde 2002). O livro mostra esse encadeamento de fatos-chaves para o entendimento do crescimento da extrema-direita e gênesis do bolsonarismo. Se não entendemos o movimento, como desarmá-lo? O livro é chave para abrir o portal de entendimento da narrativa bolsonarista.
Outro ponto que precisamos enfrentar rapidamente. Passar da caricatura para a caracterização da lógica interna do movimento. O que isso quer dizer? Sair da inércia e forma padrão de olhar o bolsonarismo a partir de sua ridicularização e distanciamento. Somente aí podemos olhar com clareza e compreender o verdadeiro desafio. Entender que há seres humanos do outro lado e que sim, há pautas relevantes e legítimas que são postuladas, não podemos mais ignorar.
Fechando essa introdução ao livro, precisamos propor conceitos que esclareçam o verdadeiro desafio: superar o bolsonarismo, e não apenas derrotar Bolsonaro. Repare, são coisas diferentes. Essa distinção é importantíssima. O fim de um não implica o fim do outro.
João, como todo bom acadêmico, nos deixa muito mais perguntas do que respostas em seu livro. O livro é o mapa e não o tesouro em si. Há muito que buscar e compreender.
- Por que o caráter bélico permanente do governo Bolsonaro?
- Por que a guerra cultural é mais importante do que governar?
- O que é a luta contra a hegemonia da esquerda? Ela é real e legítima?
- Se a finalidade do tensionamento constante é a guerra cultural e não a manutenção do poder, como isso vai se sustentar fora do poder?
- Se o bolsonarismo tem como finalidade seu próprio fim, por que vemos tantas tentativas de recuperação?
- O que é o sistema de crenças Olavo de Carvalho e como ele influencia o bolsonarismo atualmente? e por que ele é chamado sistema de crenças e não filosofia?
- Por que a Lei de Segurança Nacional de 1969 é importante na compreensão da mentalidade bolsonarista? E por que o Orvil complementa essa construção mental que é a base do bolsonarismo?
- O que é retórica do ódio? Qual a diferença para discurso de ódio?
- Por que os militares se contentaram em derrotar a esquerda militarmente e não no campo cultural?
- Por que o movimento bolsonarista pode ser considerado uma seita atualmente? E quais os riscos para o país que isso trás?
- Existe um paper que mostra que o que circula em um grupo não circula no outro, tornando esse grupo quase inatingível, como furar essa bolha?
- Qual o caminho para voltar às discussões democráticas?
- A guerra cultural está perdendo força para o Centrão?
- Qual o nível de conectividade do bolsonarismo com outros atores de extrema-direita mundiais?
- Como explicar os casos de Peru e México com presidentes que parecem ser de esquerda mas que surfam na onda anti-sistêmica e ultraconservadora?
A resposta para cada uma dessas perguntas já abriria por si só um novo capítulo à parte. É incrível, mais uma vez, como pudemos ignorar por tanto tempo a ascensão de um movimento tão central em nosso convívio social.
Num primeiro momento, olhar para a quantidade de perguntas sem resposta pode trazer o mesmo sentimento de angústia mencionado ao início desse texto. Mas repare, não estamos mais no escuro. Agora temos um guia, uma base para ir atrás da decodificação desse mistério que se tornou entender a nós mesmos. Esse é apenas o primeiro de uma série de posts-análise sobre características do bolsonarismo que vem aí. Fiquem ligados.
Aproveito também para fazer um convite para que conheçam o NossaBase, onde debatemos esse tema de modo prático com foco em soluções e metodologias para que mais forças progressistas sejam eleitas em 2022 e à diante.