“O Brasil enfrenta alguns vírus que atingiram pesadamente o setor cultural. O primeiro a destacar é o coronavírus (…) Mas ele não é o único. A arte e a cultura do país vêm sofrendo ataques sistemáticos de outros vírus, como o da intolerância, o do autoritarismo, o do obscurantismo, o do conservadorismo, todos propagados no fértil ambiente criado por um grupo que ascendeu ao poder, em especial ao governo federal, na gestão que teve início em 2019” (CALABRE, 2020, p. 09)
O setor cultural já se encontrava ameaçado desde a eleição de Jair Bolsonaro, que ainda durante a corrida eleitoral já afirmava a pretensão de retirar do Ministério da Cultura o status de ministério e transformá-lo em secretaria (e assim o fez, logo em janeiro de 2019). Em verdade, este desmonte vem acontecendo desde 2016, quando houve a primeira tentativa de desfazer o Ministério da Cultura, seguido de reduções nas verbas destinadas ao setor, reduções estas que se intensificaram cada vez mais, chegando até o momento atual, em que o governo cortou 78% da verba destinada à cultura, além de reter os recursos da Lei Rouanet nas cidades em que adotaram lockdown.
Com a pandemia da covid-19, o setor cultural foi colocado em posição realmente complicada, sendo este um dos setores mais afetados pelo (necessário) distanciamento social que tornou-se parte do nosso cotidiano. Este setor inclui uma rede ampla de trabalhadores que estão prejudicados pela suspensão das atividades presenciais, que acarretou no fechamento de museus, teatros, circos, cinemas etc.
Dentre a cadeia de pessoas afetadas neste contexto, os trabalhadores informais ligados à cultura são os que mais se viram em precarização, uma vez que não há uma perspectiva de retorno e, portanto, de fonte de renda para esses trabalhadores. Muitos recorreram à tecnologia para tentar continuar suas atividades, mas muitas atividades dependem da interação com o público e não se consegue resultados semelhantes através de uma tela. É preciso também considerar que quando falamos de setor cultural e dos profissionais envolvidos nestas atividades, não nos limitamos aos artistas, produtores e figurinistas, inclui também costureiras, pedreiros, montadores, faxineiros e diversos outros profissionais que atuam “nos bastidores” da realização das atividades ligadas ao setor.
Lia Calabre afirma que “ o setor cultural, cada vez mais, vinha utilizando as alternativas de fomento locais (dos municípios e estados) além da ampliação de campanhas de financiamento coletivo ou, mesmo, mantendo a sobrevivência através da renda obtida nas bilheterias”. Neste sentido, temos vistos algumas iniciativas dos governos estaduais e municipais para auxiliar na recuperação do setor e também os trabalhadores que a ele estão ligado, listei abaixo algumas delas:
Niterói – Rio de Janeiro (RJ)
O orçamento do município destinado ao setor cultural em 2021 foi elevado em 14 milhões, totalizando 21 milhões de reais para investimentos em cultura. A iniciativa é da secretaria de cultura, comandada por Leonardo Giordano. O objetivo é alavancar a retomada econômica de Niterói na pós-pandemia e “usar a cadeia produtiva da cultura como fator de geração de renda e emprego”. (Jornal Toda Palavra)
Manaus – Amazonas (AM)
O deputado estadual Saullo Viana (PTB) apresentou Projeto de Lei (PL) 178/2020 para prorrogar automaticamente por um ano os prazos para aplicação dos recursos para realização de atividades culturais, por meio de convênios, fomentos, demais transferências voluntárias, contratos de gestão, entre outros instrumentos e as respectivas prestações de contas, para os projetos culturais já aprovados pelo órgão ou entidade do Poder Executivo Estadual responsável pela área da cultura.
Contagem – Minas Gerais (MG)
Foi aprovado o PL 16/2020, de autoria do poder executivo, que cria uma ação no Fundo Municipal de Incentivo à Cultura, no valor de R$ 100 mil. O fundo busca a manutenção de espaços artísticos e culturais, micro e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais e participantes da cadeia produtiva dos segmentos artísticos e culturais que tiveram suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social.
Rio Grande do Norte (RN)
Foi implementado pelo governo estadual junto a Fundação José Augusto (FJA) o projeto “Tô em Casa, Tô na Rede”, que selecionou 105 projetos desenvolvidos por trabalhadores informais da cultura que tiveram suas rendas comprometidas em virtude do isolamento social, distribuídos entre os R$199.500,00 (cento e noventa e nove mil e quinhentos reais) aportados para o edital, com prêmios individuais de R$1.900 (um mil e novecentos reais) para cada projeto contemplado.
Paraná (PR)
Foi estabelecida a “Renda Emergencial Mensal”: Os recursos advindos da Lei Aldir Blanc foram destinados a todos os trabalhadores da cadeia produtiva de cultura no valor de R$ 600,00.
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No âmbito legislativo federal também há preocupação com a recuperação do setor cultural. Listei dois projetos que tramitam no Congresso Nacional:
Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE)
De autoria de vários(as) deputados(as), o PL 5638/2020 mudou aspectos na PERSE, como o refinanciamento das obrigações fiscais, não fiscais e FGTS, o crédito para sobrevivência das empresas e a desoneração Fiscal. O texto parcela débitos das empresas dos setores de eventos e turismo com o Fisco e estabelece outras medidas para compensar a grande perda de receitas, como a alíquota zero de PIS/Pasep, Cofins, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) por 60 meses. O projeto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e Senado Federal e aguarda sanção.
Projeto prorroga a utilização dos recursos da Lei Aldir Blanc
Criada em 2020, a Lei Aldir Blanc destinou o repasse de R$ 3 bilhões de reais para os estados aplicarem no setor cultural, foi este recurso que permitiu várias iniciativas estaduais e municipais como as listadas acima. No entanto, com a extensão da pandemia e o pouco tempo que foi oferecido aos estados para administrar a alocação dos recursos, muitos estados não conseguiram distribuir toda a verba recebida. O projeto aprovado em 21/04/2021 estende até 31/12/2021 o prazo para utilização dos recursos.
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Essas são algumas das ações que têm sido tomada para tentar controlar a crise no setor cultural, no entanto, mesmo com a destinação de verba federal para os estados, que em alguns casos usou para auxílio dos trabalhadores do setor, não são suficientes para conter o prejuízo que estes profissionais têm sofrido desde o início da pandemia. Será necessário um grande e conjunto movimento para retomar as atividades culturais no pós-pandemia.