Publicado originalmente no Brasil 247 Depois de quase 400 mil mortos por Covid-19 só no Brasil, o YouTube anunciou que vai tirar do ar conteúdos que exaltem medicamentos sem eficácia contra a doença. A notícia em si é boa, mas está sendo criticada pela demora com que foi tomada.
A Ivermectina e hidroxicloroquina, defendidas por Bolsonaro e seguidores, estão sendo responsáveis por problemas renais, necessidade por transplante de fígado e aumento da mortalidade por quem tomou achando que serviam contra a infecção do coronavírus.
Isso incomoda e deixa muitos de nós aflitos, como algo tão básico não está sendo entendido? A partir disso quero trazer uma reflexão do porquê os bolsonaristas parecem viver em uma realidade paralela e que, sem exagero algum, está consumindo muitas vidas.
Um estudo analisou a circulação da desinformação sobre a Covid-19 no Twitter, especialmente a hidroxicloroquina. Raquel Recuero (UFPEL/UFRGS), Felipe Soares (UFRGS/MIDIARS) e Gabriela Zago (MIDIARS) observaram que não só as opiniões são polarizadas: a informação também é.
Em resumo, a dieta midiática dos que acreditam/defendem a hidroxicloroquina como tratamento para Covid-19 não inclui veículos de mídia tradicionais. Essas pessoas lêem, sobretudo, conteúdos que confirmam o que elas querem acreditar, aqui há também muita influência do viés de confirmação, um modelo de funcionamento de nossas mentes que nos levam a buscar cada vez mais informação para confirmar o que já achávamos antes.
Para chegar a esses apontamentos, os pesquisadores coletaram 159.560 links que correram na rede social entre março e julho de 2020 e viram que as notícias que circulam por clusters (grupos) pró e anti-hidroxicloroquina são completamente diferentes.
Entre os 100 links de maior circulação no grupo favorável ao medicamento, 72 continham algum tipo de desinformação (mentira). E todas vinham de veículos que os pesquisadores chamam de “hiperpartidários” (sites que se engajam em discussões políticas por meio da produção de conteúdo sem compromisso com a verdade e algum interesse político) e mídia social (sobretudo YouTube).
Ressalto que para os grupos mais radicalizados, as informações de veículos de imprensa sequer circulam. “Dentre os links que apoiam o uso da hidroxicloroquina, vemos principalmente referências à declarações do presidente Bolsonaro, ministros da saúde e outras autoridades, e conteúdo sob o formato que aponta para estudos que supostamente mostrariam que o medicamento ‘mata’ o vírus”, escreveram os autores.
Ou seja, se parece que os bolsonaristas vivem em um mundo paralelo é porque isso, de fato, acontece. Com uma cultura muito peculiar, que inclui próprios veículos de comunicação e até músicas para enaltecer quem eles chamam de “mito”. As teorias conspiratórias difundidas por Olavo de Carvalho certamente ajudam nesse processo.
Inclusive, em uma conversa recente com João Cezar de Castro Rocha, historiador e crítico literário que tem se dedicado a entender o bolsonarismo, junto ao pessoal do projeto Nossa Base da BaseLab, abordamos também o contexto da delirante guerra cultural promovida por aqueles que hoje estão no poder do Brasil. A emoção é essencial para manter os apoiadores do governo unidos e as fake news sensacionalistas conseguem isso com grande eficácia. Ao mesmo tempo, há pouco efeito em apresentar argumentos racionais para esse grupo.
É importante, portanto, estarmos atentos a crises e fissuras no bolsonarismo, como foi a saída de Sérgio Moro do governo e a implementação da CPI da Covid, para apontar falhas e trabalhar por uma rejeição entre as pessoas comuns que, em algum momento, acharam boa ideia apoiá-lo à presidência. Isso porque a conversão dos radicalizados é praticamente impossível: trata-se de um sistema de crenças que nada tem de racional, aqui retorno aos estudos da mente, há um consenso que nosso pensamento racional é posterior às nossas emoções, ou seja, vêm somente para “confirmar” aquilo que sentimos.
Figuras despreparadas, perigosas e que colocam o país em perigo, com destaque para o próprio Bolsonaro, nos mostram a necessidade de uma união em prol da democracia. O campo progressista precisa dialogar mais e defender o Brasil de oportunistas que causam dor e sofrimento a todos nós.
A boa notícia é que a rejeição de Bolsonaro tem crescido, porém, me preocupa que a responsabilização pela pandemia esteja cada vez mais ligada aos governadores e menos ao presidente, pelas últimas pesquisas. É nossa obrigação demonstrar cada vez mais a irresponsabilidade de Bolsonaro frente à pandemia.