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Desde o começo do mandato, Bolsonaro tem usado as Medidas Provisórias e decretos para fazer acenos à sua base. Ouso dizer, aliás, que o presidente parece ter dado uma nova funcionalidade às MPs, que viraram ferramenta de comunicação da pauta ideológica.
O primeiro ano de governo (2019) teve 48 MPs editadas e publicadas. Prerrogativa do poder Executivo, elas têm força de lei e que devem ser usadas em situações de relevância e urgência, como, por exemplo, em uma pandemia. Devem, ainda, ser aprovadas pelo Congresso em um prazo de até 120 dias. Caso contrário, perdem a validade.
Conforme levantamento da Agência Câmara, a taxa de transformação das MPs de Bolsonaro está abaixo dos 50%. Lula teve uma média de 60 MPs por ano durante o primeiro mandato, sendo 90% convertidas em lei, e 45 no segundo mandato, das quais 83% foram aprovadas. Dilma teve êxito em 74,5% nas MPs apresentadas no primeiro governo.
As MPs devem ser usadas em raras ocasiões. Afinal, o sistema democrático prevê um sistema de freios e contrapesos. É preciso conversa, diálogo e consenso na condução de um país. E isso não está acontecendo.
Alguns exemplos de MPs que tiveram a vigência encerrada pois não foram apreciadas pelo Congresso ou foram refutadas.
– MP 873, de 2019, que acabava com a contribuição sindical via desconto em folha de pagamento.
– MP 892, de 2019, que encerrava a necessidade de publicações sobre publicações empresariais obrigatórias em veículos impressos de mídia. A intenção, como ele anunciou em várias oportunidades, era penalizar os jornais.
– MP 895, de 2019, que cria a carteirinha estudantil digital com o intuito de esvaziar as entidades estudantis como a UNE.
– MP 896, de 2019, que determinou que o governo federal não precisasse publicar os atos oficiais em veículos impressos. Foi suspensa por Gilmar Mendes.
– MP 914, de 2019, que mudava a forma de escolha de reitores das universidades federais e do Colégio Pedro II. Como se pode notar, as tentativas acima são estritamente ideológicas e estão longe de ser um consenso da sociedade. Muitas delas vão contra a imprensa, estudantes, organizações de classe e grupos que, historicamente, são contra poderes autoritários. Curioso, não?
Bolsonaro sabe que muitas MPs serão barradas ou vencerão, mas no melhor estilo “vai que cola” usa isso para demonstrar ser anti-sistema e alimentar ainda mais a narrativa de que as instituições não estão deixando ele trabalhar, o que certamente será muito explorado em sua provável campanha de reeleição. Um bom exemplo desta prática foi quando ele e seus seguidores disseminaram por aí que o STF (Supremo Tribunal Federal) o proibiu de tomar atitudes contra o avanço da pandemia. Trata-se de uma mentira pois nunca houve tal decisão.
É possível que no rearranjo institucional onde aliados de Bolsonaro conquistaram as presidências da Câmara e Senado tal ferramenta seja menos usada. Como Bolsonaro sempre está a um passo de estourar, no entanto, é baixa a possibilidade de prever o que exatamente vai acontecer quando falamos em relações institucionais.
As Medidas Provisórias são um instrumento institucional, sério e necessário e que estão à serviço da política caótica de Bolsonaro. Será que as nossas instituições realmente estão funcionando? Quais os limites da atuação do presidente contra a própria democracia que o elegeu?