Por Tatiana Amorim
Muito se tem falado sobre os resultados das eleições americanas e, naturalmente, sobre as nossas eleições municipais, mesmo ainda não tendo o processo eleitoral acabado totalmente, nem lá nem cá. É interessante analisarmos esses resultados e vermos que já temos algumas lições aprendidas – ou que deveriam estar sendo aprendidas pelo campo progressista brasileiro. Sim, é fácil falar; construir uma candidatura forte, robusta o suficiente para ganhar uma eleição são outros quinhentos. E é exatamente por isso que precisamos rever nossos modos de fazer e começar, desde já, a lançar as bases para conseguirmos os resultados que queremos em 2022.
Precisamos saber traduzir nosso discurso
A derrota de Bolsonaro nas urnas mostra que o povo talvez não esteja mais satisfeito apenas com respostas ideológicas, mas queira realmente alguém que vá cuidar de questões práticas, como saúde, inflação e emprego. Agora, é o momento de mostrar para as pessoas que as grandes causas que defendemos têm, sim, impacto direto no seu dia-a-dia.
Não é de hoje que se fala que o discurso da esquerda é intelectualizado demais, mas é possível construirmos uma narrativa que seja capaz de tocar as grandes massas e, querendo ou não, precisamos aprender com a extrema direita. Dois fatores são importantes nessa empreitada: primeiro, precisamos traduzir as nossas causas em benefícios para o cidadão, que ele possa ver como aplicáveis e relevantes para a sua vida; segundo, usar uma linguagem acessível, capaz de fazer com que o cidadão se identifique e se sinta representado.
Foi assim que Bolsonaro, depois de quase trinta anos de vida política, conseguiu se mostrar para o povo como um mito, o messias, o que iria levar para a presidência valores importantes para uma boa parte da população. Todo o trabalho de imagem dele foi feito com o objetivo de se mostrar como um cidadão comum, que come pão com leite condensado, que fala de jeito simplório e que não tem vergonha de dizer o que realmente pensa. Os valores que ele defende pareciam palpáveis o bastante para assumirem o lugar de propostas reais de políticas públicas relevantes, as quais ele não tem.
E é agora que encontramos espaço para combater esse discurso pautado apenas em valores conservadores. Temos a chance de mostrar por que é importante combater o racismo, o machismo, a homofobia, o capacitismo e o negacionismo – o que precisamos fazer é traduzir esses conceitos, com exemplos mesmo, para que o cidadão entenda como isso tudo está presente em sua rotina e o impede de ter uma vida melhor.
Agora, o mais importante, que nem a esquerda nem a direita conseguiram ainda: falar para quem está fora da bolha. As causas progressistas precisam chegar aos ouvidos daqueles que as negam. Não adianta traduzirmos o discurso se não conseguirmos chegar em quem não pensa como a gente. É essa pessoa que precisa entender o que nossas causas significam, ver sentido nas nossas propostas e enxergar os benefícios diretos em sua vida. Bom exemplo disso é o que Boulos está conseguindo em São Paulo. Sua campanha veio crescendo nas redes e fora delas, ganhando adesão daqueles que estavam indecisos e não necessariamente seriam eleitores da esquerda. Sua estratégia de entrar em contato por telefone, para falar diretamente com pessoas que têm dúvidas sobre suas propostas, aliada à linguagem coloquial que faz questão de usar em suas falas, aproxima o cidadão, que se sente ouvido e representado. O caminho é mostrar pra cada pessoa que sua opinião tem valor, seu voto conta e pode mudar a realidade em que vive.
Precisamos mostrar para as pessoas por que é importante votar
Temos que trabalhar na comunicação não só sobre nossas causas, mas também sobre a importância do voto. Nos EUA, políticos e ativistas democratas construíram um trabalho de conscientização para que o povo fosse votar, não à toa, essa última eleição americana bateu um recorde em participação. Isso leva tempo, é um trabalho que tem que ser construído aos poucos, mas que gera resultados sustentáveis. Eleitores que votam por terem convicção da importância de seu voto são um bem precioso para o campo progressista e, mais que isso, para a garantia da democracia.
Pessoas votam em pessoas, rejeitam pessoas, aprovam, ou não, pessoas
E junto com a construção da consciência da importância do voto, precisamos usar esse mesmo tempo para construir também a imagem de um candidato ou candidata. O fato de o Tarcísio ter sido o vereador mais votado nas eleições municipais do Rio, as mesmas eleições em que a candidata à prefeitura, Renata Souza, do mesmo partido, não teve chance de ir para o 2ºturno, nos diz uma coisa: mais importa a pessoa que o partido. Se queremos que um progressista ganhe em 2022, seja para deputado, senador ou presidente, é importante que a gente comece desde já a fortalecer a imagem dessa pessoa. É assim que ela ou ele vai ganhar notoriedade e autoridade, para conquistar a confiança da população. Precisamos dar visibilidade a uma personalidade forte, de alguma forma marcante, que saiba se comunicar e tenha carisma. Diferença fundamental entre Boulos e Renata Souza, por exemplo. Enquanto Renata investia certo tempo de suas apresentações para dizer que tem mestrado e doutorado, Boulos, que também tem um mestrado no currículo, se preocupa mais em se mostrar ao cidadão não como uma pessoa especial, mas uma pessoa comum, que também sofre os problemas de sua cidade e se dispõe a tentar solucioná-los.
Se analisarmos cada uma dessas lições, podemos ainda ver um ponto em comum entre elas: a importância da representatividade. Traduzir o discurso, mostrar a importância do voto e construir uma personalidade forte, tudo isso serve para que o cidadão se veja representado, incluído. Quando conseguirmos chegar até as pessoas e fazer com que cada uma se sinta importante no processo democrático e sinta que sua voz será ouvida nos espaços de poder, será quando a área progressista terá mais chances de virar o jogo e promover as mudanças de que tanto a sociedade precisa.
Tatiana Amorim faz parte do Nossa Base, um projeto BaseLab para capacitação de profissionais que atuam em campanhas eleitorais. Ela está disponível para trabalhar em campanhas no Rio de Janeiro.
Sobre Nossa Base
É a primeira rede brasileira de profissionais eleitorais progressistas espalhados pelo Brasil.