Artigo publicado originalmente no site do jornal O Estado de S.Paulo
A falta de orientações por parte do governo federal, somada ao atraso na vacinação e à pandemia que já dura mais de um ano, têm levado muitas pessoas a buscarem de maneira temporária ou definitiva mudança de ares saindo de grandes centros urbanos.
O estudo “Potencial de Teletrabalho na Pandemia: um Retrato no Brasil e no Mundo”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que 22,7% dos empregos no Brasil podem ser realizados inteiramente em casa, o que atesta o potencial migratório desse momento, já que muitos ficam impactados pela possibilidade de uma vida com mais qualidade nas cidades menores.
Ainda que se saiba que a fuga das metrópoles por parte de quem está fazendo esse movimento durante a pandemia pode não ser duradoura, esse é um efeito que já pode ser notado, quem não tem um amigo ou familiar que por necessidade ou escolha saiu de grandes centros no último ano? Entendo que esse movimento tem consequências para a política dos municípios que estão recebendo esse fluxo.
Pesquisa da FEA-USP demonstra que 70% dos brasileiros gostariam de continuar trabalhando de casa e 11% foram indiferentes, ou seja, essa demanda continuará existindo.
Os motivos citados no estudo para a virada de rumo e saída dos grandes centros são já bastante conhecidos: violência urbana, poluição e mobilidade bastante comprometida.
Pelo lado das empresas, pesquisa da FIA demonstra que 30% das empresas consultadas irão manter totalmente o home office, outra boa parte manterá regime híbrido, indicando que a oferta de trabalho em casa veio para ficar.
Uma característica importante deste movimento, do ponto de vista social, é que ele é mais possível de ser feito por uma classe social mais alta, que possui trabalhos melhores remunerados que a média. Também são profissões que exigem maior escolaridade e possuem forte utilização de tecnologia. Então, um primeiro impacto imediato que pode ser pensado é a própria dinamização da economia local, com mais consumo.
Esse movimento também não é feito de maneira isolada pelo trabalhador em home office. Normalmente a família inteira embarca nessa migração, o que nos permite pensar numa escala ainda maior de pessoas se mudando.
Fazendo um breve esforço de futurologia tendo como base esses dados, do ponto de vista das micro relações, esse movimento pode trazer novos costumes sociais, novos métodos de trabalho, maior participação social e um nível de crítica social e cobrança ao poder público que cidades pequenas e médias, com tradições mais coronelistas, não estão acostumadas a lidar. Esse movimento possivelmente irá beneficiar partidos com base ideológica mais nítida, com melhor desempenho nas classes mais altas.
Ainda podemos esperar nessas cidades novas dinâmicas econômicas. Empreendedores podem levar a cidades pequenas e médias serviços que vinham prestando em grandes metrópoles, novas ideias de negócio podem chegar aos territórios e as demandas ao serviço público podem pressionar prefeituras a melhorar seus serviços, ou serem mais transparentes. Certamente a acomodação de todas essas mudanças e demandas não se dará sem conflito, como sempre existe em disputas por poder, então também podemos esperar maior exasperação nas relações políticas locais.
Em última análise, no nosso contexto, a chegada de novos moradores pode afetar inclusive o poder constituído localmente. As pessoas se mudam de grandes cidades mobilizadas e motivadas com um paradigma político diferente. É de se esperar que elas cheguem querendo organizar-se socialmente em relação à prestação e aquisição de serviços ou mesmo na atuação mais direta nas cidades com a formação de associações, cobranças ao poder público e denúncias.
Do ponto de vista dos costumes, dado que pessoas que vivem em cidades maiores tendem a entrar em contato com uma diversidade maior de contextos, podemos esperar ideias mais ligadas ao campo progressista avançando na discussão local em municípios pequenos e médios, temas como direitos das mulheres, questões LGBTQIA+, racismo, entre outras.
Os desafios desse processo se apresentam imediatamente, já que a infraestrutura de cidades menores oferecem diferenças na prestação de serviços públicos e privados e no acesso a equipamentos culturais como teatros e cinemas. Contudo muitos efeitos dessa mudança ainda estão por vir e devem ser observados cuidadosamente. E há que se lembrar que hoje 2 em cada 3 brasileiros já moram em cidades pequenas e médias, logo o impacto que todo esse inchaço das cidades menores que ainda está por vir poderá ser sentido em nível nacional e, portanto, também nas eleições de 2022.
*Paulo Loiola é mestre em gestão de políticas públicas e estrategista político, administrador, sócio-fundador da Baselab, com MBA em Responsabilidade Social, Terceiro Setor e em Gestão Energética