** Este texto emprega o feminino “candidatas”, “cidadãs” etc. para referir-se a pessoas de diferentes gêneros
A transparência do setor público e de mandatos é algo que tem sido assiduamente demandado pela população, faz parte do projeto de combate a corrupção e de intensificação da participação popular. No Brasil, a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527) foi sancionada em 2011 e é classificada pelo RTI-Rating como a 29° lei mais forte do mundo, em um escopo de 128 países que possuem esse modelo de regulamentação. No entanto, apenas regulamentar e disponibilizar acesso aos dados não é suficiente para garantir a transparência na gestão pública do país, a facilidade de acesso às plataformas e a maneira como as informações são dispostas também são fatores de grande importância na hora de se “colher bons frutos” da transparência.
Vejam bem, uma quantidade excessiva de informações desnecessárias podem vir a esconder dados que realmente importam e desviar o foco das políticas públicas que deveriam receber atenção, ou seja, “maior transparência não resulta, necessariamente, em melhores governanças, qualidade de vida e resolução de problemas”. (MICHENER; RODRIGUES, 2018, p. 303)
A pandemia da covid-19 colocou em pauta (urgente) a transparência de dados do setor público, uma vez que a população (e o mundo) se voltou com interesse para a forma que as nações estavam gerindo a crise sanitária e, no âmbito nacional, como cada estado e município está alocando recursos para combater a disseminação do vírus. Diante desse cenário, o acesso à informação tornou-se pauta primordial, uma vez que foi colocada a necessidade de contratações emergenciais, construção de hospitais de campanha, compra de materiais e realocação de recursos e tudo isso passou a ser feito em grande velocidade e baixa fiscalização, abrindo janela de oportunidade para desvios de verbas públicas e corrupção. (JOKURA, 2020)
Dentro deste cenário, temos algumas iniciativas da sociedade civil que buscam acompanhar a transparência dos governos, tanto em nível internacional como nacional. É o caso da Open Knowledge Foudation (OKFN), que possui a missão de criar “um mundo onde todas as informações não pessoais sejam abertas, para que todos possam usar, desenvolver e compartilhar”. A Open Knowledge Brasil (OKBR) criou um índice de transparência da Covid-19, em que são monitorados e rankeados os estados brasileiros e suas capitais de acordo com a qualidade dos dados disponibilizados pelos governos. Nesta classificação, temos os primeiros lugares ocupados pelas capitais como Manaus (AM), Fortaleza (CE) e João Pessoa (PB) e os últimos posicionamentos liderados por São Paulo (SP), São Luís (MA) e Rio Branco (AC). (Dados de 18 de dezembro de 2020, para acessá-los clique aqui)
Além disso, a necessidade de transparência dos dados para a boa gestão da pandemia fez os governantes se debruçarem na busca por melhores formas de disponibilizar esses dados para a população, o que possibilitou a percepção de que é possível abrir os dados de forma segura (sem prejudicar a privacidade dos cidadãos), não apenas no que diz respeito à saúde, mas também em outras áreas, como educação. (JOKURA, 2020).
Segundo Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da OKBR, “o principal entrave para a transparência não é orçamentário ou tecnológico, mas político. Com a sociedade cobrando e acompanhando, as boas práticas devem permanecer como legado”. (JOKURA, 2020).
Podemos estender o comentário de Campagnucci também a gestão de mandatos parlamentares, temos visto uma intensificação de mandatos que buscam aproximação com suas eleitoras e cidadãs, não apenas durante o período eleitoral, mas no cotidiano parlamentar, a fim de mostrar à população o trabalho que tem sido desenvolvido. Esta prática se reflete principalmente nos “mandatos e gabinetes abertos” e vão além da exposição dos valores gastos pelos parlamentares, mas abrangem iniciativas de participação social que tornam o mandato mais colaborativo e proativo, com trocas contínuas entre as cidadãs interessadas e a parlamentar e sua equipe. Antes da pandemia, era comum que as mandatárias que adotam esta política realizassem encontros mensais em seus gabinetes, criar dinâmicas de atuação regionalizada e fazer rodas de conversas.
Agora com as restrições de contato social, há uma forte migração destas interações para as mídias digitais, aliando a tecnologia a gestão aberta de mandatos, com encontros online, criação de aplicativos, entrega e atualização constante das práticas legislativas via serviço de mensagens, como o WhatsApp, dentre outras medidas que integram tecnologia e inovação a gestão aberta.
Ademais, é muito interessante perceber como há um cruzamento nas ações que buscam promover aumento na transparência, ao mesmo tempo que temos organizações da sociedade civil se debruçando neste processo, há parlamentares que executam parcerias com o terceiro setor a fim de fortalecer esse movimento, o que apenas fortalece o argumento de que quando a sociedade civil e os legisladores se unem é possível avançar na promoção de políticas públicas efetivas.
Abaixo, são listadas algumas iniciativas de transparência que estão sendo aplicadas no Brasil (tanto para gestão da pandemia quanto para outras pautas) e podem ser replicadas em outras regiões do país. Elas estão separadas em três grupos: (I) Sociedade Civil; (II) Executivo (governos de estado e prefeituras); e (III) legislativo (práticas adotadas por mandatos).
I – Sociedade civil
Existem diversas ONGs, nacionais e internacionais, que dedicam seus trabalhos a monitorar o grau de transparência nos governos municipais, estaduais e federal.
Transparência internacional
A ONG Transparência Internacional criou um ranking para classificar as ações de transparência relacionadas à gestão e combate da pandemia, é aplicada uma pontuação de 0 a 100 para que o rankeamento seja estabelecido. Além disso, foi elaborado e disponibilizado um método de avaliação para que outras organizações e cidadãos possam avaliar a transparência em seu município. Para acessar este documento, clique aqui.
Além disso, a Transparência Internacional também realiza diversas pesquisas e relatórios sobre temas relacionados à transparência pública em diversos setores da sociedade, como “Transparência nas Indústrias Extrativistas” e “Retrocessos na Luta contra a Corrupção”. Para acessar estes estudos, clique aqui.
Transparência Brasil
A Transparência Brasil é outra ONG voltada para desenvolvimento de projetos de controle e transparência pública. Ela criou o projeto “Tá de pé – Compras Emergenciais”, que por enquanto cobre apenas os municípios do Rio Grande do Sul e mostra os contratos e licitações realizadas para gestão da pandemia. Também foi desenvolvido o “Tá de pé – Merenda”, também apenas no RS por enquanto, compila todas as licitações para fornecimento de alimentos às escolas públicas.
O projeto “Dados Justiça”, também iniciativa da Transparência Brasil, reúne em um único site informações sobre a remuneração do judiciário brasileiro por estado, hoje há cobertura de 17 entes federativos. Há mais projetos desenvolvidos e monitorados pela Transparência Brasil que podem ser acessados no site oficial, além disso, a ONG mantém parceria com outras entidades, como o no projeto “Obra Transparente” que, junto ao Observatório Social do Brasil (OSB), monitora obras públicas, “com objetivo de ampliar a transparência e a accountability na execução de projetos de infraestrutura educacional”.
Observatório Social Brasil
Citado logo acima, a ONG Observatório Social do Brasil (OSB), além dos projetos para promoção da transparência, a OSB também investe em capacitação das cidadãs, promoção de Webinars, palestras, cursos de capacitação, disponibilização de relatórios, artigos e banco de monografias.
A OSB está presente em 17 estados e 140 municípios brasileiros e se propõe a ser “espaço para o exercício da cidadania, que deve ser democrático e apartidário e reunir o maior número possível de entidades representativas da sociedade civil com o objetivo de contribuir para a melhoria da gestão pública.”
Um projeto bem interessante desenvolvido pela OSB é o “MonitLegis”, ferramenta que proporciona o monitoramento de atividades como despesas e faltas dos vereadores nas cidades onde o Sistema OSB atua.
Transparência no executivo
A longa exposição inicial já deixou explícita a importância da transparência no setor público e, claro, isto abrange o poder executivo – governos municipais, estaduais e federal, incluindo sua estrutura de secretarias, conselhos, autarquias etc. A pandemia têm feito modificações na forma como os governos comunicam suas atividades e aumentado o nível de transparência dos municípios, listei algumas iniciativas interessantes que temos visto por aí:
Secretaria de Saúde do Estado do Mato Grosso (MT)
Foi criada uma plataforma de monitoramento de vacinas contra a Covid-19 pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT), o “Painel de Distribuição de Vacinas contra a Covid-19” aponta o número de doses já recebidas pelo estado, o total de doses pactuadas em Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e o quantitativo de doses remanescentes. Para acessar, clique aqui.
Secretaria de Fazenda do paraná
Hoje as mídias digitais (Instagram, Facebook, WhatsApp etc) são acessadas por grande parte da população, uma vez que a internet é utilizada em 82,7% dos domicílios brasileiros, segundo dados do IBGE de 2019. Pensando nisso, a Secretaria de Fazenda do Paraná criou um Instagram próprio (@sefaparana) dedicado a comunicar dados relativos aos gastos do Estado e outras informações pertinentes. Essa iniciativa torna o acesso bem mais fácil e didático, uma vez que as informações são passadas de forma simples, usando a linguagem da mídia.
Governo de Estado do Paraná
Criação de conselho para ampliar a transparência nas contratações emergenciais de saúde. Além de orientar as contratações, o Conselho poderá participar da negociação de preços e prazos para fornecimento de insumos e outras aquisições. Para mais informações, clique aqui.
Prefeitura de São Paulo
Em 2020, a prefeitura de São Paulo promoveu oficinas online e gratuitas sobre governo aberto para a população, com vários tópicos acerca da transparência. Esperamos ansiosos pelas próximas edições! Para acessar a programação da edição passada, clique aqui.
Prefeitura de Assis (SP)
A prefeitura está divulgando mensalmente relatório com o nome de todas as pessoas que já foram imunizadas. O PDF contém o nome do paciente, hospital, vacinador, grupo etc. Para acessar essas informações, clique aqui.
Transparência em mandatos – Algumas práticas e propostas
A transparência nos mandatos parlamentares é tão importante quanto no executivo e é primordial para que as cidadãs possam entender e acompanhar o trabalho das legisladoras que escolheram. Algumas parlamentares têm se destacado em boas práticas legislativas, separei alguns exemplos:
Marina Helou (REDE) – Deputada Estadual de São Paulo
Sendo exemplo da parceria entre terceiro setor e mandatárias, a deputada estadual Marina Helou (REDE) criou o “Guia de Fiscalização cidadã”, um guia para as cidadãs acompanharem as compras públicas realizadas durante o período da pandemia e fora dele. Acompanhado, também, de um glossário para te ajudar no entendimento dos termos utilizados. Essa iniciativa foi feita em parceria com a ONG Transparência Brasil, Instituto de Governo Aberto e Open Knowledge Brasil (OKBR).
Gabriel Azevedo (Patriota) – Deputado Estadual de Belo Horizonte
Foi desenvolvido o aplicativo “Meu Vereador”, onde é divulgado tudo que acontece no mandato, desde as contas do gabinete e projetos de lei até as presenças nas sessões. Também permite agendar reuniões com o vereador, notificar problemas, agendar e opinar sobre projetos de lei, dentre outras funcionalidades que integram muito bem o mandato com as cidadãs.
Assembleia Legislativa de Pernambuco
Em Pernambuco, a Assembleia Legislativa de Pernambuco apresentou Projeto de Lei que obriga a rede pública estadual de ensino deverá manter e divulgar lista de espera para ingresso em suas escolas, caso não haja vagas suficientes, a cada 15 dias. Essa proposta evidencia que a transparência pode ser aplicada em outros setores e cobrir diversas vertentes além da financeira.
Projetos Covid-19
No que diz respeito a pandemia do coronavírus, diversas parlamentares apresentaram projetos de lei que buscam elevar a transparência nos estados e municípios, como o PL do deputado estadual Adriano Galdino (PSB), que obriga Todos os 223 municípios paraibanos a criar um Portal da Transparência específico para ações de combate à Covid-19 e, também, o PL do deputado estadual Gustavo Carvalho (PSDB), aprovado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, que obriga o Governo do Estado a disponibilizar no Portal da Transparência dados sobre o uso de recursos federais encaminhados para combate ao novo coronavírus.
O vereador Rafael de Angeli (PSDB), de Araraquara (SP), apresentou proposta que obriga a divulgação informações relativas às pessoas vacinadas, no site oficial da Prefeitura e estabelece multa para quem for vacinada em desacordo com as priorizações no valor de R$ 602,90
Por fim, vemos que há um avanço na transparência brasileira, infelizmente acelerada pelo cenário pandêmico, mas que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que se tenha uma gestão transparente e satisfatória. Mas não podemos deixar de reconhecer as boas práticas que estão sendo realizadas e, na medida do possível, replicá-las no contexto que vivemos.