Por Rennan Pimentel
O conceito de democracia é amplo e tem origens distintas que provocam importantes debates na Ciência Política e na sociedade Todos – ou quase todos – querem e buscam a plena democracia. Mas de fato, sabemos o que é democracia? Sua definição é mesmo óbvia?
Analisando a etimologia da palavra, o termo tem origem grega e significa de forma mais genérica “governo do povo”, afinal “demos” significa povo e kratos se refere a poder, logo, compreende-se com o exercício da soberania do povo. Assim, a democracia teve origem na cidade-estado de Atenas, na Grécia Antiga, onde a forma de governo se caracterizava pela participação direta dos cidadãos na administração política atendendo os interesses coletivos. Entretanto, tratava-se de uma democracia limitada, pois nem todos podiam participar das decisões políticas. Eram considerados como cidadãos e elegíveis, apenas homens livres com mais de 18 anos, nascido em Atenas e filhos de pais atenienses. Mulheres, estrangeiros, escravos, crianças e adolescentes não participavam das decisões.
A democracia moderna se desenvolveu inspirada nos conceitos iluministas, na Europa, no Século XVIII, cuja constituição parte da noção de que todo indivíduo é dotado de razão e de direitos naturais: direito à vida, direito à liberdade e à propriedade. A concepção de que todo ser humano é um sujeito racional pleno de direitos é a base para o conceito de cidadania da contemporaneidade. Logo, tal ideia se difundiu e influenciou a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos da América, pondo fim ao Antigo Regime e estabelecendo repúblicas democráticas na transição do século XVIII para o século XIX, tornando possível uma institucionalidade representativa pautada em ordenamentos jurídicos e instituições sólidas, representada por três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo. A democracia se consolidou ao longo do século XX como modelo mais legítimo, funcional e eficiente, onde o poder é compartilhado, fiscalizado e, assim, aperfeiçoado.
Ao pesquisar no google a palavra Democracia, duas respostas são apresentadas seguindo o dicionário: “1. governo em que o povo exerce a soberania. 2. sistema político em que os cidadãos elegem os seus dirigentes por meio de eleições periódicas.” A resposta apesar de correta, não define na totalidade e pode gerar interpretações equivocadas. O povo é formalmente soberano, é quem de fato escolhe seus representantes, entretanto a liderança política pode usar o poder em benefício próprio ou atendendo apenas os interesses de seus grupos, e assim tomar decisão que não condiz com o interesse da coletividade. Daí a importância de escolher bem os candidatos e, além disso, produzir uma cidadania ativa que fiscalize, cobre e paute os representantes.
Outra questão importante é o processo eleitoral: de fato um regime democrático se estrutura em eleições periódicas. Contudo, existem inúmeros regimes não democráticos com eleições regulares. Abre-se então o debate se tais são eleições livres, justas e competitivas, o que em geral não são. Ao mesmo tempo, é frequente o diagnóstico de que em regimes democráticos o processo eleitoral tem problemas de abuso do poder econômico, fraudes, regras eleitorais injustas, entre outros problemas.
A democracia é marcada pelos princípios da igualdade e de liberdade plena entre os cidadãos e pelos direitos de participação e contestação, onde todos são iguais perante a lei e possuem liberdade de pensamento, expressão e associação. Também são estruturantes o direito de participar do processo eleitoral em posição de igualdade com os demais, podendo votar e ser votado, independentemente de alfabetização, classe, renda, etnia ou sexo, e o direito de contestar ações e resultados do governo. Um sistema democrático engloba todos os elementos de organização política de um país, assim, a democracia é aplicada nos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário); na constituição; na ordem eleitoral; no corpo administrativo; e na organização política de situação e oposição. Desse modo, as características da democracia moderna estão estritamente ligadas à garantia da liberdade individual, da liberdade de opinião e expressão, do livre acesso à informação, da transparência e publicidade no exercício da coisa pública, de um sistema institucional de controle ao exercício do poder, da equidade na representação de grupos minoritários nas esferas públicas, e da igualdade de condições, direitos e oportunidades entre os cidadãos.
A democracia não se limita ao processo eleitoral e político. Um Estado é democrático não apenas por possuir eleições ou um político é democrata não somente por respeitar a decisão de um pleito. O debate vai além, o Estado deve garantir a plena igualdade, liberdade e direitos de todos os cidadãos e os discursos e ações dos políticos devem ser pensados em favor da coletividade. Viver na democracia é respeitar a heterogeneidade da sociedade, onde o indivíduo não é reprimido, perseguido, atacado ou excluído por conta de sua cor, religião, gênero, nacionalidade, sexualidade, dentre outros.
A democracia refere-se à participação popular na política, onde o poder emana do povo e este é soberano. O governo é baseado na Constituição e nas leis, e não na vontade pessoal dos governantes, como em um regime absolutista. Portanto, o sistema de governança democrático por meio de leis, instituições e da sociedade civil organizada exerce o controle social sobre as ações dos governantes, que é responsável por seus atos. A democracia, além de um regime político, é uma cultura social que engloba valores e comportamentos baseados no consenso, diálogo e tolerância.
No Brasil, a democracia foi interrompida em diversos momentos, como no Estado Novo (1937 a 1946) e na Ditadura Militar (1964-1985), onde opositores foram perseguidos e presos e as liberdades individuais foram suspensas. Nossa democracia, apesar de um longo período de estabilidade (1989 até hoje) ainda é frágil e é preciso que a sociedade civil esteja atenta a qualquer sinal de ruptura democrática para evitar que tempo sombrios retornem.
Sobre o autor
Rennan Pimentel é Mestrando no em Sociologia e Antropologia na UFRJ, graduando de licenciatura em Ciências Sociais pela UFRJ e bacharel em Relações Internacionais pela UNESA/RJ. Pesquisa sobre Pensamento Social, Política e Democracia e participa do Núcleo de Estudos Comparados e Pensamento Social (NEPS) e no Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB), ambos no IFCS/UFRJ.
Referências Bibliográficas:
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 10.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.