Por Rennan Pimentel
O financiamento das eleições é um tema polêmico em praticamente todos os países com instituições democráticas. Existem basicamente dois modelos: o financiamento público de campanha ou o financiamento privado das candidaturas. Em geral, os países adotam variações e composições desses dois modelos. E, em todos eles, existem críticas às opções adotadas e constantes propostas de reformas e alterações.
O Brasil adota um sistema misto. Do ponto de vista privado, as empresas não podem mais doar para candidatos, o que era permitido até 2015, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou uma decisão que proibiu a doação de pessoas jurídicas. Mas indivíduos podem, sempre com um limite pessoal por CPF.
Além disso, os partidos políticos no Brasil contam com duas fontes de recursos públicos para financiar as campanhas dos seus candidatos nas eleições: o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), também conhecido como Fundo Eleitoral, e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o Fundo Partidário.
O Fundo Eleitoral foi criado em 2017 pelas Leis nº 13.487 e 13.488, tornando-se desde então uma das principais fontes de receita para a realização das campanhas eleitorais. Já o Fundo Partidário (FP), é mais antigo. Foi criado em 1995 pela Lei nº 9.096 (Lei dos Partidos Políticos), sendo durante muito tempo a única fonte de recurso público dividida entre os partidos. Tal verba é utilizada para custear atividades rotineiras das legendas, como o pagamento de água, luz, aluguel e passagens aéreas, entre outros, como também financiar campanhas eleitorais, e partir da minirreforma eleitoral de 2019, tal quantia também pode ser utilizada para impulsionamento de conteúdo na internet, a compra de passagens aéreas para não filiados e a contratação de advogados e contadores.
Recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)
Este ano, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido popularmente como Fundo Eleitoral, tem reservado no Orçamento da União R $4,96 bilhões destinados às candidaturas majoritárias e proporcionais para o pleito deste ano. Os recursos do Fundo são distribuídos pelo TSE aos diretórios nacionais dos partidos da seguinte forma: 2% do montante é destinado igualmente a todos os partidos; 35% divididos entre aqueles que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos obtidos na última eleição geral para a Câmara; 48% divididos entre as siglas, na proporção do número de representantes na Câmara, consideradas as legendas dos titulares; e 15% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, consideradas as siglas dos titulares, conforme ilustração na tabela abaixo:
Destinatários | Fatia a ser dividida (100%) |
Entre Todos os Partidos registrados no TSE | 2% |
Entre Partidos com pelo menos um parlamentar eleito para a Câmara | 35% |
Entre Partidos com representantes na Câmara Federal na proporção de cadeiras conquistadas | 48% |
Entre Partidos com representantes no Senado na proporção de cadeiras conquistadas | 15% |
O que isso representa em números?
Assim, considerando que 2% do montante (cerca de 80 milhões para o pleito este ano) deve ser dividido igualmente a todos os partidos registrados no TSE (inclusive os sem sem representação parlamentar, ou seja, que não atingiram a cláusula de barreira), então, cada partido receberá no mínimo cerca de 2 milhões, que somado às representações na Câmara e no Senado Federal essa quantia será bem maior. Por exemplo, O União Brasil (União), sigla resultante da fusão do Democratas (DEM) com o Partido Social Liberal (PSL), receberá o maior montante, com mais de R$ 782 milhões. Em seguida, estão o Partido dos Trabalhadores (PT), com pouco mais de R$ 503 milhões, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com R$ 363 milhões, o Partido Social Democrático (PSD), com R$ 349 milhões e o Progressistas, com aproximadamente R$ 344 milhões. Juntas, essas cinco legendas respondem por 47,24% dos recursos distribuídos.
Vale lembrar que o recebimento desse recurso público de financiamento de campanha não é obrigatório e o partido pode optar receber ou não a quantia.
Outro ponto importante é que os partidos são obrigados a reservar uma fatia desse montante para financiamento de candidaturas negras e de mulheres. Para candidaturas mulheres deve ser reservado no mínimo 30% do total recebido do FEFC e para candidaturas negras deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar para a disputa eleitoral.
Exemplificando:
Digamos que um partido possua 100 candidatos. Destes, 30 são mulheres e 70 são homens. Do grupo das mulheres, 6 são negras (20% de 30). Do grupo dos homens, 21 são negros (30% de 70). Desta situação podemos concluir o seguinte: no mínimo 30% de todo o financiamento deverá ser destinado às campanhas das candidatas. Deste valor, 20% serão reservados às campanhas das candidatas negras. Do mesmo modo, dos 70% que restaram para a campanha dos homens, 30% serão reservados para os candidatos negros.
Grupo destinatário | Quantia destinada ao partido |
HOMENS | 70% do total |
Homens brancos | 70% do montante destinado aos homens |
Homens negros | 30% do montante destinado aos homens |
Mulheres | 30% do total |
Mulheres brancas | 80% do montante destinado às mulhere |
Mulheres negras | 20% do montante destinado às mulheres |
Recursos do Fundo Partidário
O Fundo Partidário é um recurso de financiamento das siglas e é depositado mensalmente na conta de cada legenda pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Trata-se de um fundo composto por dotações orçamentárias da União, multas e penalidades pecuniárias de natureza eleitoral, doações de pessoas físicas depositadas diretamente nas contas dos partidos (aquelas específicas para o Fundo) e outros recursos que eventualmente forem atribuídos por lei. Atualmente, existem 33 siglas registradas no Tribunal; porém, apenas 23 estão aptas a receber os recursos do Fundo. São elas: Avante, DEM, MDB, Novo, Patri, PCdoB, PDT, Pode, PP, PPS, PR, PRB, Pros, PSB, PSC, PSD, PSDB, PSL, PSOL, PT, PTB, PV e Solidariedade.
As siglas Rede, DC, PCB, PCO, PMB, PMN, PRTB, PSTU, PTC e UP, ficaram de fora da divisão dos recursos, pois não cumpriram, nas Eleições 2018, os requisitos fixados na cláusula de desempenho, conhecida popularmente de “Cláusula de Barreira” que estabeleceu novas normas de acesso dos partidos aos recursos do Fundo Partidário. Essa medida busca evitar a criação de partidos com finalidade única de acessar os recursos do fundo partidário. Agora para um partido ter acesso ao fundo, precisa mostrar que tem representação social, e tal representação é expressada no resultado das urnas com a conquista de cadeiras no legislativo.
Assim, a cláusula de barreira limita o acesso das legendas a recursos do Fundo Partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão e acabou incentivando à fusão ou incorporação de partidos. Assim, legendas pequenas podem somar votos ou deputados para alcançar a cláusula de barreira. Em 2019, quando a cláusula de barreira passou a vigorar, houve a incorporação do Partido Republicano Progressista (PRP) ao Patriota; e do Partido Pátria Livre (PPL) ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Em 2021, o TSE aprovou o pedido de incorporação do Partido Humanista da Solidariedade (PHS) ao Podemos (Pode) e neste ano ocorreu a fusão do PSL e do DEM, criando o partido União Brasil.
Esses recursos são tão disputados pois o dinheiro pode ser destinado a manutenção de sedes e serviços do partido; propaganda doutrinária e política; alistamento e campanhas eleitorais; criação e manutenção de institutos de pesquisa e educação política; criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres; pagamento a organismos partidários internacionais que se destinem ao apoio à pesquisa, aos quais o partido político seja regularmente filiado; despesas com alimentação; e contratação de serviços de consultoria contábil e advocatícia.
Ademais, a função desses fundos busca evitar corrupção e tornar os partidos “autossuficientes” para que não recebam dinheiro de pessoas jurídicas ou físicas com a finalidade de obter vantagens políticas após a eleição.
Sobre o autor
Rennan Pimentel é Mestrando em Sociologia e Antropologia na UFRJ, graduando de licenciatura em Ciências Sociais pela UFRJ e bacharel em Relações Internacionais pela UNESA/RJ. Pesquisa sobre Pensamento Social, Política e Democracia e participa do Núcleo de Estudos Comparados e Pensamento Social (NEPS) e no Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB), ambos no IFCS/UFRJ.